As árvores são poemas da terra para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio (Khalil Gibran)



sábado, 28 de janeiro de 2012

Liturgia


Quero estar nos teus braços
conduzir teus passos na proximidade dos meus dedos
e me tornar, contigo,
siamês

Quero assumir tuas palavras como minhas
Encontrar as lágrimas do futuro
Que o tempo me trouxer

Proferir  teu nome em silêncio
e no mesmo silêncio tornar-me teu filho
e nascer de ti
novamente

Ser o sorriso proposto nos teus lábios de prazer
a felicidade sincera das palavras simples
ditas como um sussurro em meio a mata
como benção
como chuva

E por fim,
no começo,
perdoar-me antes
de culpar-me

Assumir a forma esguia deste tronco de árvore
a coisa mais sábia que encontrei
nessa vida curta e longínqua

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

inscrição

Minhas mãos percorrem a parede
e agora, além de mãos, são parede
cimento fresco
tinta
overdose de cor
refestelada sobre o palco aberto:
muro

que ao pôr-do-sol brilha
que ao  pôr-do-sol lume
pelas portas abertas da sala que foi composta pelos teus dedos projetistas
artistas do traço

Sem arabescos
sem contornos
apenas um horizonte tombado contra os olhos do observador insone
sem apelos
um plano sem plumas
um plano sem vínculos
a mão
os dedos
depositados sobre essa arca absurda
essa forma abstrata que a madeira molda
para impedir, abstemiamente, de pretendermos o horizonte


sábado, 16 de julho de 2011

Narciso enquanto viajante

Tornado desgosto
depurei-me
e assumi posturas próprias dos que fogem
pela silenciosa, inconteste e apagada avenida do passado (já sem cor, perdendo os contornos, sendo consumida pelo esquecimento...).

escondido em um canto
tornei-me vértice de espaços.
Inalcançável (mesmo que de fato não fosse)
aos braços da bailarina de gesso
que repousa em pausas
sobre a caixa de música selada e esquecida
sob uma carta nunca lida 
de alguém já sem rosto

Espacializei minha tormenta: gerei um canto!
grito azul para o vento.
Sofreguei a mim 
filtrei minhas angústias
para além da parede oposta que me separa
(ante meus dedos, ante minhas luvas de tocar piano em serenata aberta contra a lua, também já sem rosto)
da imagem do meu reflexo

Consumi as folhas certas da floresta
(que outrora foi deserto, que amanhã será deserto)
pensei compreender a impermanência da direção de meus passos de buscar o sol. 
Acordado a noite forjei um molde do pretensamente-eu,
para poder confrontá-lo ao espelho,
aos meus olhos,
à planície das águas

E no súbito nascer do dia
afoguei-me nessa seta curva
de buscar o âmago de mim

domingo, 10 de abril de 2011

Entre teus ombros
perdido

marcadas em minha pele
tuas digitais
(o espaço vazio entre teus dedos)

o contorno de teu corpo
gravado em meu peito

Decifrar a assinatura
do teu olhar
sobre o meu olhar

frente ao mar,
e embebido nele,
conjugar teu nome no tempo presente

domingo, 20 de março de 2011

Evocação

Há um caminho sem volta
atrás do espelho que conduzem, com apreço e sombra,
teus dedos inumeráveis.
Um rumo no aleatório sabor da manhã.

A transcrição mnemônica dos teus passos impressos na galeria do acaso,
tal veias feitas fios de lã,
como portos secos,
guardados em latas herméticas de impedir o prosseguir do tempo.

No silêncio intenso que teus olhos plenos produzem na minha lembrança,
como abraços desfeitos em braços, em queda,
pronuncio teu nome contra as paredes seladas do meu quarto.
E ainda assim, fecho meu olhos para o teu vulto na escuridão.